Tuesday, November 20, 2012

De maneiras que é assim

A minha amiga F tem uma parceria num blogue de tudo e nada. E como esses é que são bons, aqui fica o link: http://demaneirasqueeassim.blogs.sapo.pt/22212.html

Monday, November 12, 2012

Ao sul e ao norte



Aqui esta vossa amiga ganhou este ano (pela segunda vez consecutiva, ah pois foi :-)) o prémio do conto infantil do concurso de contos da Convenção de Bookcrossing. E não o digo (só) para me gabar, mas porque hoje ele vem MESMO a propósito e por isso o transcrevo aqui. Ora adivinhem lá quem inspirou as personagens...




PRINCESAS DO SUL E DO NORTE


Era uma vez um reino distante e sossegado, onde a vida avançava sem grandes sobressaltos (bem, havia alguns, mas os livros de história esqueciam-se deles com frequência) e – segundo vinha nos tais livros - o povo, os nobres, o clero e os comerciantes viviam em paz. Nos últimos tempos, também havia outras profissões, como banqueiros e informáticos, mas os livros de história esqueciam-se sempre deles.
Nesse reino, reinava – como é bom de ver – um rei. Era um rei bom (menos mau, diziam algumas línguas maldosas), que fazia o que podia para agradar a gregos e a troianos, que é como quem diz agradar aos povos do Norte e do Sul e aos seus ministros e conselheiros que, ultimamente, lhe davam valentes dores de cabeça. Mas enfim, puxando daqui, empurrando dacolá, o rei lá ia conseguindo a harmonia desejada. É verdade que, às vezes, vinham nos jornais umas histórias menos felizes, mas o rei fazia de conta que se esquecia delas.
Ora, o rei, além do reino, do povo, dos ministros, dos nobres, do clero, dos comerciantes, dos banqueiros e dos informáticos, tinha também duas filhas, as princesas Ângela e Patrícia. Os ministros tinham dito que Ângela e Patrícia não eram nomes de princesas, mas a rainha – que habitualmente se esquecia de tudo menos das suas aias e vestidos – dessa vez fora inflexível. Desde pequena que dizia que, se tivesse filhas, se iriam chamar Ângela, em homenagem a uma personagem de uma fotonovela da sua infância, e Patrícia, o nome de uma amiga da escola primária. E Ângela e Patrícia ficaram.
As princesas eram tão diferentes como duas gotas de água e azeite. Ângela sabia sempre o que queria e a que horas e não ficava satisfeita enquanto não tivesse todos os que a rodeavam a trabalhar para ela (e achava sempre que os coitados trabalhavam pouco). Patrícia nem sempre sabia o que queria, embora soubesse sempre o que não queria, e gostava de trabalhar, mas também gostava de se esticar ao comprido na relva do palácio, depois de um belo ensopado de borrego a – como ela dizia – “viver um bocadinho” (Ângela nunca almoçava, comia uma sanduíche de queijo enquanto vigiava as suas aias, para ter a certeza de que todas cumpriam – à hora certa – as ordens que lhes dava).
As duas irmãs cresceram fortes e saudáveis, mas cada vez mais diferentes. O rei, que se preocupava com estas duas filhas com personalidades tão opostas, e percebendo que não seriam capazes de partilhar o mesmo reino, casou-as com dois príncipes bons e generosos, mandou fazer obras em dois dos seus palácios e deu a cada princesa uma parte do seu reino: a Patrícia, as terras do Norte e a Ângela as terras do Sul. Pensou o rei, ajudado pelos seus ministros e conselheiros, que, sendo Ângela tão trabalhadora e pontual, seria uma boa rainha para os povos do Sul, já que estes eram conhecidos por serem preguiçosos e se atrasarem sempre para tudo. E, de facto, assim foi. De igual forma, pensou que aos povos do Norte, sempre cumpridores, pontuais e pouco sorridentes, conviria uma rainha que soubesse apreciar as coisas boas da vida com um sorriso nos lábios. E assim foi.
O problema é que Ângela nunca estava contente. Queria sempre mais. Mais impostos, mais súbditos, mais terras, mais palácios. E o pai, julgando fazer-lhe bem, dava-lhe tudo o que ela pedia.
Até certo dia.
Nesse dia, havia uma festa de inauguração do mais recente palácio de Ângela (o maior e mais luxuoso que se tinha visto por aquelas paragens). A princesa vagueava de sala em sala, procurando (e achando) defeitos em tudo – era a obra que estava atrasada, era o chão que não estava como ela queria, era a casa de banho… quando chegou à casa de banho, Ângela deu um grito:
- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!
- O que foi, filha? – perguntou o rei, julgando que lhe estava a dar qualquer coisinha má.
- Não estão cá as torneiras que eu escolhi – gemia e gritava Ângela – e eu quero TUDO, TUDO, TUDO como eu mando.
Foi nessa altura que o rei (um homem tão calmo que já ninguém se lembrava da última vez que se tinha exaltado) olhou para a filha e a viu feia, tão feia, tão feia, à luz de um esplendoroso sol de fim de tarde, que agarrou a barba com toda a força (o ministro, que estava ao seu lado, diria mais tarde que pensou que ele a ia arrancar), encheu o peito de ar e gritou com voz de trovão:
- ACABOU! Quem tudo, tudo, tudo quer – já dizia a minha avó, a rainha Pulquéria Belarmina – tudo, tudo, tudo perde. Ângela, vai imediatamente para o palácio do Norte, onde vive a tua irmã, e diz-lhe que venha ela tomar conta das terras do Sul! O ministro ainda abriu a boca para dizer que talvez não fosse uma decisão prudente, mas lembrou-se a tempo de que um rei de cabeça perdida pode dar ordens imprevisíveis e, não fosse ele mandá-lo também para as terras frias, tristes e pontuais do Norte, fechou-a mesmo a tempo.
E foi assim que a princesa Patrícia, rumou com grande alegria às terras do Sul. Embora, como seria de esperar nela, se tivesse habituado às brumas e à pontualidade nórdicas com um sorriso, percebeu, assim que chegou e foi recebida com um belo ensopado de borrego, que estava fartinha de almoçar sanduíches de queijo (mesmo sendo servidas à hora certa) e abraçou o seu novo reino com o entusiasmo que sempre punha nas coisas boas da vida.
Quanto à princesa Ângela, os livros de história não contam exactamente o que lhe aconteceu. Mas os mais velhos falam ainda hoje de uma princesa que desenvolveu muito o reino do Norte, pondo todos a trabalhar com afinco, mas que todos os dias, exactamente à uma e trinta e cinco da tarde (depois de almoçar uma sanduíche de queijo), se fechava nos seus aposentos a chorar com saudades do cheiro a sardinhas assadas servidas à beira das praias do Sul. Chorava, chorava, chorava. Mas só até à uma e quarenta e dois. À um quarto para as duas recomeçava a reinar.

FIM