Sunday, January 21, 2007

O quarto de solteiro

Na Serra dos Candeeiros, há uma tradição ligada à casa e ao casamento, que é a seguinte: quando um casal constrói a sua casa, inclui um quarto que se destina a ser o quarto de solteiro do homem. Para lá, ele leva a sua mobília de solteiro e todos os seus objectos pessoais. O resto da casa, é responsabilidade e pertença da mulhar. Ora, aqui está uma tradição que às vezes nos faz falta. Quem nunca desejou ter em casa um quarto com aquela cama de dossel da infância mais a colecção completa da Patrícia e da Daniela? E qual é o homem que nunca lamentou o facto de não poder expor na sua casa os posters de Ferraris, Kawasakis ou aviões 747? Pois é, definitivamente, os arquitectos não estão atentos e os apartamentos de hoje em dia não respondem eficazmente às nossas necessidades.

O melhor do mundo

Como dizia o outro, são as crianças. E, logo a seguir, os amigos e a família, digo eu. É uma enorme felicidade poder contar com todos eles, que estão sempre lá quando é preciso. Obrigada a todos!

Monday, January 15, 2007

Devolvido ao remetente

Tenho pensado bastante no referendo para a liberalização do aborto que se avizinha. Ouvi ainda há pouco uma comentadora televisiva regojizar-se com a organização e participação dos cidadãos. Ora, a mim, não me parece grande capacidade de organização surgirem dezenas de movimentos a lutar pelo mesmo. Se só há duas opções, o sim e o não, porque é que há tantos movimentos? E, digam-me lá, porque é que as campanhas são tão pobres, ideológica e graficamente? Quem são estas pessoas que se (des)organizam?

Ainda por cima, este não é um assunto em relação ao qual as pessoas mudem de opinião, pelo que as campanhas pelo sim e pelo não me parecem absolutamente desnecessárias. Parece-me que faltam é campanhas a insistir com os cidadãos para irem lá pôr o papelinho. Porque é uma vergonha se não houver percentagem de votos suficiente para o referendo ser válido. Ainda é uma vergonha maior se é válido e ganha o não, mas é, apesar de tudo, uma vergonha mais digna.

Sunday, January 14, 2007

A minha mãe toca sempre duas vezes

É sabido que crias e progenitores possuem a capacidade de se reconhecer mutuamente através do cheiro. Nós, humanos, como animais que somos, não constituimos excepção. Por isso mães e filhos se conhecem pelo cheiro. Também por instinto, as mães acordam com o choro dos seus bebés e não dos outros e identificam as suas mãos, e até as asneiras que fazem sem dificuldade...

A minha mãe tem duas ou três coisas pelas quais eu seria capaz de a reconhecer no meio de uma multidão. Uma é a forma de se assoar. Não é especialmente ruidosa ou aparatosa, mas uma vez, num centro comercial, nem precisei de me virar para saber que era ela...


Outra coisa é a forma de bater à porta. Tenho uma campainha com algumas décadas e um temperamento muito próprio. Para conseguir que toque, para mim, é dedo espetado e vigor (felizmente que toca tão alto que, na rua, sei se está a tocar lá em cima). Pois a minha mãe consegue, não sei como, arrancar um toque suave, feito de dois toques breves, sempre igual. Sempre igual. E inconfundível. Como a minha mãe.

Friday, January 12, 2007

Que saudades da serra e da carqueja em Maio

O carteiro azul

Adoro a sensação de o carteiro me entregar em mão uma carta, mesmo que ele já venha azul do esforço de subir ao segundo andar e nem consiga dizer sem ofegar "Assine aqui, por favor". Eram duas cartas das finanças, mas isso não interessa...

Tuesday, January 9, 2007

O título do blogue

Começo com aquele clássico ultra pessoal da "nossa música". Porque, mesmo na era do digital, não há nada que chegue a uma carta na caixa do correio.

Correio Azul

Manda-me uma carta em correio azul
p'ra afastar estas cinco nuvens negras
relembra-me as regras
do saber viverre
põe-me o sentido nos sentidos
olfactos ouvidos
à vistade tactos
do teu paladar

Manda-me uma carta em correio azul
p'ra afastar esses blues de pacotilha
renega e perfilha
respectivamente
a torpe indiferençae o amor ardente
amor tão ardente
que dos erros meus má fortuna se ausente

Erros meus, má fortuna, amor ardente
qual em nós mais frequente
qual em nós mais frequente
amor ardente
cada vez mais frequente

Manda-me uma carta em correio azul
que me deixe a face roburizada
promete-me a noite fatigada
de termos aberto o nosso nexo
ao sexo
da vida
porção destemida
da nossa emoção

Erros meus, má fortuna, amor ardente
qual em nós mais frequente
qual em nós mais frequente
amor ardente
cada vez mais frequente

Manda-me uma carta em correio azul
que branqueie o passado num momento
paixão, é no corpo o sentimento
que faz da razão montanha russa
aguça
o encanto
mas no entretanto
faz estragos mil

Erros meus, má fortuna, amor ardente
qual em nós mais frequente
qual em nós mais frequente
amor ardente
cada vez mais frequente

Manda-me uma carta em correio azul
para eu guardar no castanho dos armários
no meio de testemunhos vários
escritos por letras tão distantes
murmúrios amantes
que a vida me oferece
só por muito amar

Erros meus, má fortuna, amor ardente
qual em nós mais frequente
qual em nós mais frequente
amor ardente
cada vez mais frequente

Sérgio Godinho, in Domingo no Mundo, 1997